Hoje é dia grande. O país acorda em festa graças ao futebol, que nos vai dando alegrias duas vezes por semana, e é nesse espírito que embarcamos hoje a caminho de Aveiro. Não, o jogo de hoje não é lá, que há estádios novos que apenas receberam dois jogos, e o França-Grécia desta noite volta a ter Lisboa como palco. Não entramos no caminho de Lisboa, antes saímos dela para aplaudir o sentimento oposto: descentralizemos, o desporto, os eventos, os concertos, a vida.
A única aparição de Alanis Morissette na Península Ibérica nesta digressão acontece na Praça Fonte Nova, em Aveiro, esta noite.
Que melhor desculpa para sair da capital e ir conhecer mais uma das nossas belas cidades? Três de nós aqui do giradiscos seguimos caminho para um encontro marcado com a música, onde quer que ela esteja. Fica aqui o desafio sempre presente: juntem-se a nós nesta celebração.
E lançamos outro desafio: deixem aqui os vossos comentários ao dia de hoje, ao espectáculo e à viagem, porque não puderam embarcar ou como é que vibraram com os sons das nossas vidas. Esta noite. Em Aveiro. Venham daí
sexta-feira, junho 25, 2004
sábado, junho 12, 2004
Super Bock Super Rock: última noite
Era grande a expectativa para esta noite, aquela em que o Parque Tejo apresentava um impressionante cartaz capaz de deixar vários milhares de pessoas numa muito ansiosa espera.
O cartaz não só era impressionante, como também extenso, o que fez com que as actividades musicais começassem bem cedo, perto das 17 horas, com as actuações dos Loosers e dos X-Wife, no palco Quinta dos Portugueses. Apesar de termos recebido a tempo a dica de apanharmos o comboio até Sacavém para nos dirigirmos até ao recinto (afinal não era assim tão perto do Parque das Nações...), que ficava mesmo junto à estação, já não chegámos a tempo destes primeiros dois concertos do dia.
Eram então 18 horas e havia já uma enorme romaria a dirigir-se para o festival, mesmo a tempo de assistir ao início do concerto dos norte-americanos Liars.
Em uma hora de música retirada quase sempre de bateria, guitarra e voz, com alguns efeitos à mistura, a sensação era a de que os três elementos da banda estavam a dar uma grande festa em palco, para eles próprios.
Referenciados com o pós-punk e com o pós-industrial, o que quer que isso signifique, é sobretudo a parte do punk que é ilustrada em palco, tanto pela música como pela atitude, e que conseguiu puxar algum entusiasmo às poucas centenas de pessoas que se encontravam em frente ao palco.
Num programa sem interrupções, ao final do concerto dos Liars seguiu-se de imediato a actuação de André Indiana, com o seu característico som poderoso e contagiante, num espectáculo que denota já uma grande rodagem pelos palcos nacionais e com várias canções familiares ao ouvido. Contagiante mesmo à distância, já que passámos a maior parte do concerto afastados do palco, nas muitas filas que havia, ora para comer, ora para ir às casas-de-banho.
Perto das 19h30 foi a vez dos britânicos Hundred Reasons iniciarem a sua actuação, da qual só vimos mais de perto a 2ª metade. Com o vocalista Colin Doran muito activo, fica talvez a ideia de um som já ouvido noutro lado, com essa possível falta de originalidade a ser compensada por uma enorme vontade e entrega em palco, que são já imagens de marca desta banda.
Com um primeiro registo discográfico em 2000, através de um EP reeditado em 2002, os Hundred Reasons e o seu rock pesado têm já uma considerável legião de fãs no Reino Unido, onde realizam digressões regularmente, mas demoram a impôr-se no resto da Europa.
Com o recinto cada vez mais cheio, era chegada a hora de Paulo Furtado vir espalhar a palavra do senhor (a sua), acompanhado dos restantes membros dos Wray Gunn, em estado de graça desde o recente lançamento do 2º álbum "Eclesiastes 1.11".
Logo à entrada o tom religioso é dado pelo coro gospel, os primeiros a entrar em palco, todos de preto vestidos e dispostos a converter-nos. Quem não tem cara de pastor é Paulo Furtado, que pouco tempo depois já tirou a camisa e vai guiando a orquestra por canções do último álbum, com os restantes elementos a trocarem de posições e a entrar e sair de palco várias vezes.
Depois de ter assistido a concertos do Legendary Tiger Man, fica a sensação de que os Wray Gunn são uma versão em formato maior do que aí é apresentado num "one-man-show", onde lá o espectáculo é dado por um músico sentado (mas frenético) e aqui o delírio musical e visual é total.
Perto do final passam por "Lonely", talvez a sua música mais conhecida, numa versão muito diferente da original, mas os fiéis começam já a procurar a redenção noutro local, já que mesmo ao lado faltam apenas alguns minutos para o concerto mais aguardado da noite.
Era um sonho de miúdo. Os Pixies, todos juntos e ao vivo. O receio era algum, depois de um afastamento digno de uma "banda de ruptura" (cada um para seu lado, talvez com a excepção de Black Francis e de Santiago que, segundo parece, ainda se entendem), sem paciências para egos alheios e fartos de se prenderem mutuamente; depois de declarações recentes a afastarem hipóteses de uma possivel reunião (segundo Black Francis, há cerca de um ano, só iria aturar o resto da xaranga se estivesse sem dinheiro, algo que, dizia ele na altura, não se afigurava provável); de projectos paralelos (Frank Black, Breeders e sabe-se lá que mais andaram estes tresloucados a inventar); a fasquia já só estava em o concerto acontecer de facto.
O palco estava lá, sim senhor, os horários a serem escrupulosamente cumpridos (este Super Bock falhou nalgumas coisas, mas não aqui), OK, também está certo; uma data de ex-teenagers rebeldes bem estabelecidos na vida (pelo menos o suficiente para abdicarem de um final de sexta-feira e de 37 euros), bom tempo, descontracção (pelo que vi, muita dela aditivada com vegetação tropical) e... entram os tais tipos manhosos que faziam isso de música diferente (seja lá o que isso for), que misturavam espanhol com inglês, distorção com acústica, que gritavam; ele era baterista a fumar e vocalista gordo, ele era música para surfista ouvir vinda de uns tipos que tinham era mas é ar de quem fica na esplanada a beber copos; ele era macacos e planetas nas capas dos vinis; resumindo, e como diria um tipo que eu conheço, o "fim do mundo em cuecas".
Numa expressão: está tudo mais velho. Uns mais intelectuais (Santiago e Lovering mais parecia que tinham acabado de lançar um livro), outros mais gordos (Deal, Lovering e, evidentemente, Black Francis...) e todos com um ar mais limpinho. Mas atenção, como se viu passado pouco tempo, pelo menos para tocar ao vivo não está tudo morto. Deal já não se mexe muito, é um facto, mas não falha uma nota.
"Bone Machine" a começar e, primeira constatação, eles vieram para tocar. Tudo, mas mesmo tudo, a funcionar. O som estava devidamente calibrado, eles a tocarem compenetrados, com uma perfeição de meter inveja e praticamente sem interacção com o público. "Something Against You", "Monkey Gone to Heaven", "Gigantic", "Velouria", "Allison", "Hey", "Where Is My Mind", o mal amado "Here Comes Your Man", "Crackity Jones", "Caribou" e sei lá que mais... No fim de uma, logo outra, não havia tempo a perder.
Infelizmente para o leitor, tenho de referir mais uma nota pessoal (preparem-se que vão haver mais): estava com um grupo de amigos que não estava todo junto há uns largos anos. Já me estava a borrifar para a falta de interacção, cantámos todos as músicas em coro. Eles eram os Pixies, vieram para tocar e tocaram como eu sempre os quis ver.
O David Lovering a cada música que passava parecia mais novo, ele até pode estar a tocar o ritmo mais fácil do mundo, mas fá-lo com uma pinta indescritível. Só a Kim Deal continuava algo parada (alheada?), e creio que foi ela a envelhecer mais. No entanto, sempre me lembro daquele ar indiferente, agarrada ao baixo enquanto fumava um cigarro; isto sempre que não cantava. Só vislumbrei um sorriso de menina quando (e não me lembro exactamente quando) se apercebeu, numa fase mais pausada do "barulho", que o público cantava em conjunto com ela. Pareceu-me vislumbrar uns olhitos a quererem dizer "eu bem te disse que valia a pena voltares com a tua xaranga".
Black Francis continua a gritar em "Isla de Encanta", em "Vamos", em tudo que lhe apetece. Joey Santiago, o guitarrista filipino (estes gajos são mesmo "fora"), continua a fazer solos que mais ninguém faz. Não é que sejam assim tão bons (também não são assim tão maus), mas é talvez o melhor do mundo a pôr um chapéu em cima de uma guitarra na vertical, com distorção e feedback, e tudo aquilo soar bem (mais uma nota pessoal, não fumei nada e só bebi uma cerveja antes do concerto).
Quem não conhecia e não ficou a gostar era porque não tinha que ficar a gostar. Apesar de "Here Comes Your Man", nem toda a gente tem de gostar do gordo que grita com a xaranga. Já vieram outros depois, que foram mais longe, é certo; mas eles, na altura, abriram portas, foram mesmo diferentes. Agora é mais fácil.
Quem já gostava não se arrependeu, foi mesmo um concerto dos Pixies. Talvez mais perfeitos a tocar, talvez menos comunicativos, mas eles nunca ficaram na história por serem simpáticos. Ficaram sim por "agarrarem no material e mostrarem como é".
Faltava uma das minhas favoritas (lá vem a nota pessoal), "Gouge Away". Já agora, Eliana, haja justiça nesta coisa do pessoal, uma das "nossas" favoritas. Começa o encore e lá vem ela (não a Eliana, o "Gouge Away"...).
Para finalizar (senão isto nunca mais acaba) e se é redundante dizer que uns gajos que se separaram lá para 1991 (se é que há alguém sabe ao certo quando foi) só tocaram músicas antigas, não posso deixar de registar que, praticamente, não tocaram nada do "Trompe le Monde", último álbum da banda. Até no alinhamento surpreenderam. Tive pena, porque a versão de "Head On" (original dos Jesus and Mary Chain) é, para mim, incontornável. Mas se calhar, eles estão é mesmo sem dinheiro.
Após os Pixies saírem de palco, milhares de pessoas começaram a andar em todas as direcções, para comer, descansar, aliviar-se, o que fosse, e num recinto sem qualquer iluminação a não ser a dos palcos e a das roulottes da comida, foi a confusão total (um pouco semelhante às celebrações dos Santos Populares nas ruas de Lisboa no dia seguinte, mas mais escuro).
Incluídos nesse grupo, não pudemos fazer mais do que assistir de longe aos jogos de luzes do palco secundário, onde a essa hora actuavam os Pluto. A nova banda de Manuel Cruz e Peixe, ambos ex-Ornatos Violeta, não teve sorte no sorteio e poucos devem ter ficado para assistir ao concerto. A minha curiosidade em assistir a mais uma reencarnação do meio musical português terá de aguardar por outra (melhor) oportunidade, de preferência em nome próprio.
Numa ronda pela net, vê-se que não fomos os únicos a ir dar uma volta nesta altura, mas ainda se apanha um «som mais cru e pesado, mas altamente apelativo e sempre com o carimbo de qualidade das letras de Cruz» na rock sound, e o Público falou em «introspecção sinfónica», «longas digressões psicadélicas», «solos de guitarra progressiva» e Radiohead. Esperemos pelo próximo concerto, e pelo álbum.
Pouco depois das 23 horas, é chegada a vez de Lenny Kravitz subir ao palco. Dado que aqui pelo giradiscos não somos grandes fãs do norte-americano, optámos por continuar afastados da acção. Fomos, no entanto, surpreendidos.
No meio de um cartaz sem dúvida ecléctico, mas elaborado em torno de um conceito "alternativo", não esperávamos uma tal recepção por parte do público do Parque Tejo naquela noite. Se os Wray Gunn tinham o espírito e os Pixies atraíam os pecadores em busca da salvação, Lenny chegou para espalhar a mensagem do amor e da alegria. Ele ama Lisboa, põe toda a gente em frente ao palco a abanar os braços, fala e fala entre cada música e até quer levar uma rapariga simpática para casa, desde que ela lhe faça o jantar.
Mas o que estes 7 álbuns (e vários singles em cada um) lhe conseguiram proporcionar foi a possibilidade de um longo concerto em que quase todas as músicas são êxitos. Mesmo quem não gosta reconhece os primeiros acordes e consegue cantar pelo menos o refrão. Mas isso é para os que estão cá atrás, porque os de lá da frente, os muitos milhares que sabem as letras e fazem a festa, deliram com todo o concerto e têm direito a ver Lenny mais de perto, quando este salta do palco para o meio do público, a ensaiar coreografias e certamente a partir alguns corações.
O encore era obrigatório, o que atrasa um pouco o programa, mas delicia um enorme grupo de fãs, que contribuíram em muito para o espectáculo, surpreendendo talvez até os próprios músicos, e que prolonga o concerto até à uma da manhã.
Com o povo já cansado, e muitos de nós desde logo a guardar lugar para Massive, coube aos Clã encerrar as actividades do palco Quinta dos Portugueses. Mais uma vez, esperáva-nos uma surpresa.
É que, na minha opinião, este foi o melhor concerto da noite. Não envolveu ressurreições ou arrastamento de multidões, mas foi simplesmente mágico. Manuela Azevedo começa baixinho a cantar "o sonhos dos meus amigos é ter um gti", à medida que os restantes músicos, um a um, vão entrando em palco, até formarem uma linha avançada, toda ela de preto, pronta a atacar. Ela despe a camisola pouco depois e desatam a marcar. Puseram toda a gente a cantar com "H2omem" e o "O Sopro do Coração", passaram 2 vezes pelo recente álbum "Rosa Carne" e puseram mais gente ainda a "Dançar na Corda Bamba".
O público e a banda, duas partes de um todo, musical e muito orgânico, eles a prometer voltar em breve, nós a querer que eles voltem, a cantar e a bater palmas até ao fim. Foi mesmo bonito de viver, e sentir.
Faltavam 15 minutos para as duas da manhã, há algumas movimentações num palco que escurece e começa pouco depois a ouvir-se uns toques de "Future Proof", a primeira música do último álbum dos Massive Attack, "100th Window", e que iniciava também os espectáculos do ano passado.
Iniciava, porque afinal essa sequência pára, e eis que se começa a ouvir "Angel". Enquanto 3D se dirige para as máquinas bem no centro do palco mas mais atrás, é Horace Andy quem faz as honras e dá início às hostilidades. As músicas seguintes mostram que este será um concerto atípico, já que apenas os primeiros 3 álbuns são visitados, deixando o mal amado "100th Window" de fora. Para ajudar, somos brindados com uma sequência sem voz e muita maquinaria acompanhada de guitarras, um som que se torna cada vez mais pesado e intenso, ao longo de 10 minutos sem tréguas.
Ouvem-se clássicos como "Spying Glass", "Teardrop" (na versão mais fraca que já ouvi até hoje), "Hymn of the Big Wheel", "Inertia Creeps", e "Karmacoma" põe toda a gente a dançar. Os sons mais frios e maquinais regressam com "Antistar", do último álbum, e na saída de palco o filme já é mais familiar, com Angelo na guitarra a alimentar uma versão musculada de "Safe From Harm" até um poderoso final.
Contrariando o programa do dia, este revelava-se um concerto mais curto que os anteriores, mesmo com o encore que se seguiria. No regresso, os Massive trazem dois enormes balões em forma da bola oficial do Euro 2004 e elogiam o feliz encontro que se viverá nos dias seguintes, "the beautiful game, the beautiful country". Diz-se até que foi o Campeonato Europeu que desempenhou um papel decisivo na vinda dos Massive e de Fatboy Slim a Portugal, nesta altura, de modo a poderem assistir a alguns jogos. Não saíram foi muito contentes do Estádio da Luz no Sábado...
Surge então o maior dos clássicos, "Unfinished Sympathy", e o delírio vertiginoso que era o final dos concertos com "Group Four" é desta vez substituído por "Future Proof", que tinha ecoado logo no início. E se em "100th Window", esta é aquela música que faz a ponte com o anterior "Mezzanine", pelo modo como conjuga as electrónicas com a mais suja guitarra, em palco essa fusão é ainda mais acentuada, e a espiral sonora está garantida até à explosão final.
Não foi um concerto fácil de ouvir, principalmente para quem não é fã ou não conhece as músicas dos Massive, mas foi mais uma reescrita das regras que ditam o caminho da banda, sempre aqui recebida de braços abertos, e que levarão decerto mais uma mão cheia de boas recordações. Foi mais um, e parece sempre ser o primeiro. Come back soon.
Os senhores saem de cenário, começa a retirar-se o material e uma tela preta é instalada de modo a tapar todo o palco. Uns 10 metros mais à frente uma mesa é instalada, com algumas colunas e o que parece ser um gira-discos. As suspeitas confirmam-se perto das 03h45, quando Norman Cook, ou o seu alter-ego Fatboy Slim, surge para iniciar a sua sessão de deejaying.
Apesar de ter começado bem, com uma remistura de White Stripes, não era bem daquilo que eu estava à espera. A noite decorre então em ambiente de mega-discoteca ao ar livre, bem longe das músicas que trouxeram sucesso ao personagem Fatboy. Não quer isto dizer que a prestação tenha falhado, longe disso. Vários milhares de pessoas que ainda se encontravam no recinto alimentavam a festa com danças e respondendo aos apelos do maestro, que saiu do seu pódio para ir à multidão buscar um apito e pastilhas elásticas.
Os ecrãs gigantes iam passando continuamente imagens ao vivo misturadas com animações e imagens de outras aparições de Fatboy, enquanto o som continuava também ele incessante. Resistimos até às 04h30, hora a que ainda nos foi complicado furar para chegar ao outro lado do recinto, onde se encontrava a única saída.
No final, fica um grande dia de concertos em ambiente de festa, mas também as más condições que, espera-se, não se voltem a repetir na próxima edição. Se já lá vão 10 anos, houve mais que tempo para aprender com os erros. Queremos grandes bandas, mas onde as possamos disfrutar.
Até breve!
Texto: Dracul; Jq (Pixies) / Fotos: Liars, NME.com, Mondo Bizarre, 4AD, Álvaro Isidoro (2) - Disco Digital, XFM online, VH1.com, [CLÃ], Massive on Tour Gallery, Fatboy Slim.
O cartaz não só era impressionante, como também extenso, o que fez com que as actividades musicais começassem bem cedo, perto das 17 horas, com as actuações dos Loosers e dos X-Wife, no palco Quinta dos Portugueses. Apesar de termos recebido a tempo a dica de apanharmos o comboio até Sacavém para nos dirigirmos até ao recinto (afinal não era assim tão perto do Parque das Nações...), que ficava mesmo junto à estação, já não chegámos a tempo destes primeiros dois concertos do dia.
Eram então 18 horas e havia já uma enorme romaria a dirigir-se para o festival, mesmo a tempo de assistir ao início do concerto dos norte-americanos Liars.
Em uma hora de música retirada quase sempre de bateria, guitarra e voz, com alguns efeitos à mistura, a sensação era a de que os três elementos da banda estavam a dar uma grande festa em palco, para eles próprios.
Referenciados com o pós-punk e com o pós-industrial, o que quer que isso signifique, é sobretudo a parte do punk que é ilustrada em palco, tanto pela música como pela atitude, e que conseguiu puxar algum entusiasmo às poucas centenas de pessoas que se encontravam em frente ao palco.
Num programa sem interrupções, ao final do concerto dos Liars seguiu-se de imediato a actuação de André Indiana, com o seu característico som poderoso e contagiante, num espectáculo que denota já uma grande rodagem pelos palcos nacionais e com várias canções familiares ao ouvido. Contagiante mesmo à distância, já que passámos a maior parte do concerto afastados do palco, nas muitas filas que havia, ora para comer, ora para ir às casas-de-banho.
Perto das 19h30 foi a vez dos britânicos Hundred Reasons iniciarem a sua actuação, da qual só vimos mais de perto a 2ª metade. Com o vocalista Colin Doran muito activo, fica talvez a ideia de um som já ouvido noutro lado, com essa possível falta de originalidade a ser compensada por uma enorme vontade e entrega em palco, que são já imagens de marca desta banda.
Com um primeiro registo discográfico em 2000, através de um EP reeditado em 2002, os Hundred Reasons e o seu rock pesado têm já uma considerável legião de fãs no Reino Unido, onde realizam digressões regularmente, mas demoram a impôr-se no resto da Europa.
Com o recinto cada vez mais cheio, era chegada a hora de Paulo Furtado vir espalhar a palavra do senhor (a sua), acompanhado dos restantes membros dos Wray Gunn, em estado de graça desde o recente lançamento do 2º álbum "Eclesiastes 1.11".
Logo à entrada o tom religioso é dado pelo coro gospel, os primeiros a entrar em palco, todos de preto vestidos e dispostos a converter-nos. Quem não tem cara de pastor é Paulo Furtado, que pouco tempo depois já tirou a camisa e vai guiando a orquestra por canções do último álbum, com os restantes elementos a trocarem de posições e a entrar e sair de palco várias vezes.
Depois de ter assistido a concertos do Legendary Tiger Man, fica a sensação de que os Wray Gunn são uma versão em formato maior do que aí é apresentado num "one-man-show", onde lá o espectáculo é dado por um músico sentado (mas frenético) e aqui o delírio musical e visual é total.
Perto do final passam por "Lonely", talvez a sua música mais conhecida, numa versão muito diferente da original, mas os fiéis começam já a procurar a redenção noutro local, já que mesmo ao lado faltam apenas alguns minutos para o concerto mais aguardado da noite.
Era um sonho de miúdo. Os Pixies, todos juntos e ao vivo. O receio era algum, depois de um afastamento digno de uma "banda de ruptura" (cada um para seu lado, talvez com a excepção de Black Francis e de Santiago que, segundo parece, ainda se entendem), sem paciências para egos alheios e fartos de se prenderem mutuamente; depois de declarações recentes a afastarem hipóteses de uma possivel reunião (segundo Black Francis, há cerca de um ano, só iria aturar o resto da xaranga se estivesse sem dinheiro, algo que, dizia ele na altura, não se afigurava provável); de projectos paralelos (Frank Black, Breeders e sabe-se lá que mais andaram estes tresloucados a inventar); a fasquia já só estava em o concerto acontecer de facto.
O palco estava lá, sim senhor, os horários a serem escrupulosamente cumpridos (este Super Bock falhou nalgumas coisas, mas não aqui), OK, também está certo; uma data de ex-teenagers rebeldes bem estabelecidos na vida (pelo menos o suficiente para abdicarem de um final de sexta-feira e de 37 euros), bom tempo, descontracção (pelo que vi, muita dela aditivada com vegetação tropical) e... entram os tais tipos manhosos que faziam isso de música diferente (seja lá o que isso for), que misturavam espanhol com inglês, distorção com acústica, que gritavam; ele era baterista a fumar e vocalista gordo, ele era música para surfista ouvir vinda de uns tipos que tinham era mas é ar de quem fica na esplanada a beber copos; ele era macacos e planetas nas capas dos vinis; resumindo, e como diria um tipo que eu conheço, o "fim do mundo em cuecas".
Numa expressão: está tudo mais velho. Uns mais intelectuais (Santiago e Lovering mais parecia que tinham acabado de lançar um livro), outros mais gordos (Deal, Lovering e, evidentemente, Black Francis...) e todos com um ar mais limpinho. Mas atenção, como se viu passado pouco tempo, pelo menos para tocar ao vivo não está tudo morto. Deal já não se mexe muito, é um facto, mas não falha uma nota.
"Bone Machine" a começar e, primeira constatação, eles vieram para tocar. Tudo, mas mesmo tudo, a funcionar. O som estava devidamente calibrado, eles a tocarem compenetrados, com uma perfeição de meter inveja e praticamente sem interacção com o público. "Something Against You", "Monkey Gone to Heaven", "Gigantic", "Velouria", "Allison", "Hey", "Where Is My Mind", o mal amado "Here Comes Your Man", "Crackity Jones", "Caribou" e sei lá que mais... No fim de uma, logo outra, não havia tempo a perder.
Infelizmente para o leitor, tenho de referir mais uma nota pessoal (preparem-se que vão haver mais): estava com um grupo de amigos que não estava todo junto há uns largos anos. Já me estava a borrifar para a falta de interacção, cantámos todos as músicas em coro. Eles eram os Pixies, vieram para tocar e tocaram como eu sempre os quis ver.
O David Lovering a cada música que passava parecia mais novo, ele até pode estar a tocar o ritmo mais fácil do mundo, mas fá-lo com uma pinta indescritível. Só a Kim Deal continuava algo parada (alheada?), e creio que foi ela a envelhecer mais. No entanto, sempre me lembro daquele ar indiferente, agarrada ao baixo enquanto fumava um cigarro; isto sempre que não cantava. Só vislumbrei um sorriso de menina quando (e não me lembro exactamente quando) se apercebeu, numa fase mais pausada do "barulho", que o público cantava em conjunto com ela. Pareceu-me vislumbrar uns olhitos a quererem dizer "eu bem te disse que valia a pena voltares com a tua xaranga".
Black Francis continua a gritar em "Isla de Encanta", em "Vamos", em tudo que lhe apetece. Joey Santiago, o guitarrista filipino (estes gajos são mesmo "fora"), continua a fazer solos que mais ninguém faz. Não é que sejam assim tão bons (também não são assim tão maus), mas é talvez o melhor do mundo a pôr um chapéu em cima de uma guitarra na vertical, com distorção e feedback, e tudo aquilo soar bem (mais uma nota pessoal, não fumei nada e só bebi uma cerveja antes do concerto).
Quem não conhecia e não ficou a gostar era porque não tinha que ficar a gostar. Apesar de "Here Comes Your Man", nem toda a gente tem de gostar do gordo que grita com a xaranga. Já vieram outros depois, que foram mais longe, é certo; mas eles, na altura, abriram portas, foram mesmo diferentes. Agora é mais fácil.
Quem já gostava não se arrependeu, foi mesmo um concerto dos Pixies. Talvez mais perfeitos a tocar, talvez menos comunicativos, mas eles nunca ficaram na história por serem simpáticos. Ficaram sim por "agarrarem no material e mostrarem como é".
Faltava uma das minhas favoritas (lá vem a nota pessoal), "Gouge Away". Já agora, Eliana, haja justiça nesta coisa do pessoal, uma das "nossas" favoritas. Começa o encore e lá vem ela (não a Eliana, o "Gouge Away"...).
Para finalizar (senão isto nunca mais acaba) e se é redundante dizer que uns gajos que se separaram lá para 1991 (se é que há alguém sabe ao certo quando foi) só tocaram músicas antigas, não posso deixar de registar que, praticamente, não tocaram nada do "Trompe le Monde", último álbum da banda. Até no alinhamento surpreenderam. Tive pena, porque a versão de "Head On" (original dos Jesus and Mary Chain) é, para mim, incontornável. Mas se calhar, eles estão é mesmo sem dinheiro.
Após os Pixies saírem de palco, milhares de pessoas começaram a andar em todas as direcções, para comer, descansar, aliviar-se, o que fosse, e num recinto sem qualquer iluminação a não ser a dos palcos e a das roulottes da comida, foi a confusão total (um pouco semelhante às celebrações dos Santos Populares nas ruas de Lisboa no dia seguinte, mas mais escuro).
Incluídos nesse grupo, não pudemos fazer mais do que assistir de longe aos jogos de luzes do palco secundário, onde a essa hora actuavam os Pluto. A nova banda de Manuel Cruz e Peixe, ambos ex-Ornatos Violeta, não teve sorte no sorteio e poucos devem ter ficado para assistir ao concerto. A minha curiosidade em assistir a mais uma reencarnação do meio musical português terá de aguardar por outra (melhor) oportunidade, de preferência em nome próprio.
Numa ronda pela net, vê-se que não fomos os únicos a ir dar uma volta nesta altura, mas ainda se apanha um «som mais cru e pesado, mas altamente apelativo e sempre com o carimbo de qualidade das letras de Cruz» na rock sound, e o Público falou em «introspecção sinfónica», «longas digressões psicadélicas», «solos de guitarra progressiva» e Radiohead. Esperemos pelo próximo concerto, e pelo álbum.
Pouco depois das 23 horas, é chegada a vez de Lenny Kravitz subir ao palco. Dado que aqui pelo giradiscos não somos grandes fãs do norte-americano, optámos por continuar afastados da acção. Fomos, no entanto, surpreendidos.
No meio de um cartaz sem dúvida ecléctico, mas elaborado em torno de um conceito "alternativo", não esperávamos uma tal recepção por parte do público do Parque Tejo naquela noite. Se os Wray Gunn tinham o espírito e os Pixies atraíam os pecadores em busca da salvação, Lenny chegou para espalhar a mensagem do amor e da alegria. Ele ama Lisboa, põe toda a gente em frente ao palco a abanar os braços, fala e fala entre cada música e até quer levar uma rapariga simpática para casa, desde que ela lhe faça o jantar.
Mas o que estes 7 álbuns (e vários singles em cada um) lhe conseguiram proporcionar foi a possibilidade de um longo concerto em que quase todas as músicas são êxitos. Mesmo quem não gosta reconhece os primeiros acordes e consegue cantar pelo menos o refrão. Mas isso é para os que estão cá atrás, porque os de lá da frente, os muitos milhares que sabem as letras e fazem a festa, deliram com todo o concerto e têm direito a ver Lenny mais de perto, quando este salta do palco para o meio do público, a ensaiar coreografias e certamente a partir alguns corações.
O encore era obrigatório, o que atrasa um pouco o programa, mas delicia um enorme grupo de fãs, que contribuíram em muito para o espectáculo, surpreendendo talvez até os próprios músicos, e que prolonga o concerto até à uma da manhã.
Com o povo já cansado, e muitos de nós desde logo a guardar lugar para Massive, coube aos Clã encerrar as actividades do palco Quinta dos Portugueses. Mais uma vez, esperáva-nos uma surpresa.
É que, na minha opinião, este foi o melhor concerto da noite. Não envolveu ressurreições ou arrastamento de multidões, mas foi simplesmente mágico. Manuela Azevedo começa baixinho a cantar "o sonhos dos meus amigos é ter um gti", à medida que os restantes músicos, um a um, vão entrando em palco, até formarem uma linha avançada, toda ela de preto, pronta a atacar. Ela despe a camisola pouco depois e desatam a marcar. Puseram toda a gente a cantar com "H2omem" e o "O Sopro do Coração", passaram 2 vezes pelo recente álbum "Rosa Carne" e puseram mais gente ainda a "Dançar na Corda Bamba".
O público e a banda, duas partes de um todo, musical e muito orgânico, eles a prometer voltar em breve, nós a querer que eles voltem, a cantar e a bater palmas até ao fim. Foi mesmo bonito de viver, e sentir.
Faltavam 15 minutos para as duas da manhã, há algumas movimentações num palco que escurece e começa pouco depois a ouvir-se uns toques de "Future Proof", a primeira música do último álbum dos Massive Attack, "100th Window", e que iniciava também os espectáculos do ano passado.
Iniciava, porque afinal essa sequência pára, e eis que se começa a ouvir "Angel". Enquanto 3D se dirige para as máquinas bem no centro do palco mas mais atrás, é Horace Andy quem faz as honras e dá início às hostilidades. As músicas seguintes mostram que este será um concerto atípico, já que apenas os primeiros 3 álbuns são visitados, deixando o mal amado "100th Window" de fora. Para ajudar, somos brindados com uma sequência sem voz e muita maquinaria acompanhada de guitarras, um som que se torna cada vez mais pesado e intenso, ao longo de 10 minutos sem tréguas.
Ouvem-se clássicos como "Spying Glass", "Teardrop" (na versão mais fraca que já ouvi até hoje), "Hymn of the Big Wheel", "Inertia Creeps", e "Karmacoma" põe toda a gente a dançar. Os sons mais frios e maquinais regressam com "Antistar", do último álbum, e na saída de palco o filme já é mais familiar, com Angelo na guitarra a alimentar uma versão musculada de "Safe From Harm" até um poderoso final.
Contrariando o programa do dia, este revelava-se um concerto mais curto que os anteriores, mesmo com o encore que se seguiria. No regresso, os Massive trazem dois enormes balões em forma da bola oficial do Euro 2004 e elogiam o feliz encontro que se viverá nos dias seguintes, "the beautiful game, the beautiful country". Diz-se até que foi o Campeonato Europeu que desempenhou um papel decisivo na vinda dos Massive e de Fatboy Slim a Portugal, nesta altura, de modo a poderem assistir a alguns jogos. Não saíram foi muito contentes do Estádio da Luz no Sábado...
Surge então o maior dos clássicos, "Unfinished Sympathy", e o delírio vertiginoso que era o final dos concertos com "Group Four" é desta vez substituído por "Future Proof", que tinha ecoado logo no início. E se em "100th Window", esta é aquela música que faz a ponte com o anterior "Mezzanine", pelo modo como conjuga as electrónicas com a mais suja guitarra, em palco essa fusão é ainda mais acentuada, e a espiral sonora está garantida até à explosão final.
Não foi um concerto fácil de ouvir, principalmente para quem não é fã ou não conhece as músicas dos Massive, mas foi mais uma reescrita das regras que ditam o caminho da banda, sempre aqui recebida de braços abertos, e que levarão decerto mais uma mão cheia de boas recordações. Foi mais um, e parece sempre ser o primeiro. Come back soon.
Os senhores saem de cenário, começa a retirar-se o material e uma tela preta é instalada de modo a tapar todo o palco. Uns 10 metros mais à frente uma mesa é instalada, com algumas colunas e o que parece ser um gira-discos. As suspeitas confirmam-se perto das 03h45, quando Norman Cook, ou o seu alter-ego Fatboy Slim, surge para iniciar a sua sessão de deejaying.
Apesar de ter começado bem, com uma remistura de White Stripes, não era bem daquilo que eu estava à espera. A noite decorre então em ambiente de mega-discoteca ao ar livre, bem longe das músicas que trouxeram sucesso ao personagem Fatboy. Não quer isto dizer que a prestação tenha falhado, longe disso. Vários milhares de pessoas que ainda se encontravam no recinto alimentavam a festa com danças e respondendo aos apelos do maestro, que saiu do seu pódio para ir à multidão buscar um apito e pastilhas elásticas.
Os ecrãs gigantes iam passando continuamente imagens ao vivo misturadas com animações e imagens de outras aparições de Fatboy, enquanto o som continuava também ele incessante. Resistimos até às 04h30, hora a que ainda nos foi complicado furar para chegar ao outro lado do recinto, onde se encontrava a única saída.
No final, fica um grande dia de concertos em ambiente de festa, mas também as más condições que, espera-se, não se voltem a repetir na próxima edição. Se já lá vão 10 anos, houve mais que tempo para aprender com os erros. Queremos grandes bandas, mas onde as possamos disfrutar.
Até breve!
Texto: Dracul; Jq (Pixies) / Fotos: Liars, NME.com, Mondo Bizarre, 4AD, Álvaro Isidoro (2) - Disco Digital, XFM online, VH1.com, [CLÃ], Massive on Tour Gallery, Fatboy Slim.
Subscrever:
Mensagens (Atom)