quinta-feira, agosto 19, 2004

Mão Morta - nus

Na noite que se avizinha, um mar de gatos com cio invade os sotãos, ensanguentando as memórias com a dor pungente dos dias em que o gume, o terrível gume das horas afiadas, rasgava os espíritos. Já o clarão das ruas toldava os cérebros com angústias venenosas e vertigens de suicídios sonhadores, na vontade de fugir ao inóspito vazio do tempo da ausência...


Sem o saber, estive muito tempo à espera deste álbum. Entrar nessa estrada de carne viva a caminho do destino aventuroso. E de repente a vontade de entrar nas letras, de chegar à boca de palco, de viajar neste belo desconhecido, eterno reencontro.


O mundo é nosso vamos a ele

O mundo é nosso não há que ter medo

O mundo é nosso vamos com ele brincar



Mais estranho quando penso que nunca antes tinha ouvido um álbum de Mão Morta de princípio a fim. Nunca antes tinha estado perante eles em palco, à espera do assombro. O tempo chegou e trouxe vertigens de espanto, do que não pensava poder sentir ao som da língua portuguesa.



Tudo é negro menos os nossos olhos
que dardejam luz no estupor da montanha incendiada pelo sol levante
já os nossos risos nervosos
soltos na velocidade da paisagem
desfilam para trás num bater de asas aflito e assustado
e o velho saxofone
como sereia rouca em calores de perdição
num sobressalto de vagas repentinas
abafa o chiar dos pneus
imprimindo correrias loucas ao granito macio da estrada
com que o mar cava a areia até aos nossos pés.




Esta é apenas uma pequena homenagem, mutável mas sempre presente, aos Mão Morta e ao seu recente álbum Nus.



e uma forma de responder ao porco espinho: eles andem aí...

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