Na passada 6ª feira ficou aqui o convite para o concerto de Bulllet no Santiago Alquimista. Se é certo que alguns amigos do giradiscos lá foram e trouxeram relatos de uma grande noite, o meu caminho sofreu um desvio e fui parar à Culturgest, onde me esperava o Kronos Quartet.
Sem nunca antes os ter ouvido, o concerto tornou-se então numa daquelas experiências musicais em que nos deslumbramos apenas com o momento, não deixando que o que já trazemos de fora nos influencie.
Com os 4 músicos concentrados no centro do palco, uma cortina de fundo e um discreto mas eficaz jogo de luzes, fico espantado com os sons que David Harrington, John Sherba (ambos em violino), Hank Dutt (violeta) e Jennifer Culp (violoncelo) retiram dos seus instrumentos. À 3ª música, juro que vi Tom Waits a entrar numa casa assombrada. Sensemayá, ou a Canção para a Matança da Cobra, foi escrita por Silvestre Revueltas, que gostava de imaginar as plateias a reagir à sua música "como se algo de obsceno, vulgar ou de mau gosto tivesse sido proferido". Ao final de 5 músicas surge o intervalo e uma enorme vontade de sentir o que nos traz a 2ª parte.
Ao encontrar o programa do concerto, surge a 1ª surpresa: vamos ter direito a ouvir uma interpretação de uma música dos Sigur Rós. Após as duas primeiras músicas, as cortinas são retiradas e no fundo de palco vemos o repuxo exterior, enquanto as luzes criam uma nuvem azul. Começamos a ouvir Flugufrelsarinn e viajo até Reykjavík. É estranho ver a música dos Sigur a ser interpretada por alguém que não eles, mas o ambiente criado é magnífico. Soou a estranho, e ainda bem. A seguir, e para terminar, uma peça de Steve Reich escrita para o Kronos Quartet, Quarteto Triplo, em que uma das partes é criada em palco enquanto as outras duas estão pré-gravadas e passam em fundo.
Chegamos ao fim, ou talvez não.
Após duas saídas de palco, os 4 músicos voltam para interpretar Carlos Paredes e receber uma das maiores ovações da noite. Mais uma saída e «após Carlos Paredes, só poderíamos interpretar um compositor: Jimi Hendrix», com uma música escrita «enquanto decorria outra guerra». Uma versão demoníaca e psicadélica de Star Spangled Banner, para nos despedirmos em beleza do Kronos Quartet. Foi o primeiro contacto, mas decerto não será o último. É altura de descobrir os discos e deixar-me deslumbrar vezes sem conta por este quarteto criado há mais de 30 anos. Até à próxima.
A parte inicial do concerto foi marcada por peças extraídas do seu último disco, Nuevo, no qual interpretam peças de compositores mexicanos, às quais se seguiram outras extraídas da vasta discografia do Kronos Quartet. Aqui fica o programa, a que se somam interpretações de Carlos Paredes e Jimi Hendrix, já em encore:
- Severiano Briseño, El Sinaloense (O homem de Sinaloa)* (arr. Osvaldo Golijov)
- Agustín Lara, Se Me Hizo Fácil (Foi fácil para mim)* (arr. Osvaldo Golijov)
- Silvestre Revueltas, Sensemayá * (arr. Stephen Prutsman)
- Felipe Pérez Santiago, Camposanto **
- Alfred Schnittke, Quarteto nº 3: I. Andante II. Agitato III. Pesante (tocado sem pausas)
Intervalo
- Rahul Dev Burman, Aaj Ki Raat (É esta noite)* (arr. Osvaldo Golijov)
- Gétatchèw Mèkurya, Aha gèdawo * (arr. Stephen Prutsman)
- Sigur Rós, Flugufrelsarinn (O libertador de moscas)* (arr. Stephen Prutsman)
- Steve Reich, Quarteto Triplo **
* Arranjos para o Kronos Quartet
** Escrito para o Kronos Quartet
Grande Auditório da Culturgest (Lisboa), 30/04/04
Texto: Dracul (com a ajuda do programa do concerto) / Foto: Caroline Greyshock (do site oficial do Kronos Quartet).
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