A Festa do Bloco começou ontem no Pavilhão Terlis, um recinto meio escondido (mas não necessariamente pequeno) ali para os lados das Docas de Alcântara. Com as bandeiras do Bloco a guiarem o caminho a partir da estação de Alcântara-Mar, entramos para um recinto ainda à espera de mais calor humano, de comida e de música.
Pouco depois, e ainda com muita gente a procurar onde e o que comer, Mário Laginha entra em palco para um recital que foi ganhando atenção e espectadores com o passar do tempo. Com o aproximar do final, já era preciso mover cadeiras da área dos restaurantes para quem o queria apreciar sentado. Improvisações, músicas mais conhecidas e outras nem tanto, com um Laginha bastante comunicativo, num bom começo de actividades musicais nesta Festa.
Após um pequeno intervalo, para vestir o palco dos instrumentos necessários às actuações seguintes, seguiu-se a actuação de Mísia. Um alinhamento heterogéneo, que começou com Adivinha (letra de José Saramago) e Lágrima (Amália Rodrigues), viu a introdução do violino a partir de Sem Saber (Vasco Graça Moura) e teve um dos momentos altos na penúltima música, Raiz, com letra de Sérgio Godinho (antes da actuação em nome próprio) e música de Carlos Paredes. Aclamação de pé, depois do regresso ao palco para mais uma música, e uma actuação inspirada de Mísia, acompanhada também à guitarra portuguesa e viola clássica pelos músicos que acompanham Camané.
Por esta festa passou também Camané, que entrou logo a seguir.
Para os menos atentos ao Fado, esta foi uma oportunidade de saborear as suas viagens. Fez-se um curto passeio por Lisboa, falou-se do seu filho Bairro Alto, falou-se do amor, de mulheres, de sonhos, da melancolia.
Escutar a voz de Camané é percorrer tudo isto com os olhos e com o coração.
Vários são os autores dos poemas cantados, de José Mário Branco a David Mourão-Ferreira, de Manuela de Freitas, Júlio de Sousa a João Monge, passando em revista Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa.
Um concerto de Camané é sempre um pretexto para uma viagem interior, acompanhado com a belíssima guitarra portuguesa de José Manuel Neto, a viola de Carlos Manuel Proença e o contrabaixo de Paulo Paz, mesmo para quem habitualmente não ouve Fado.
Mantendo sempre a sua postura tímida e de poucas palavras, este concerto não foi excepção. Mas, palavras para quê? Apanhe-se boleia da sua voz, e o caminho a partir daí, é para quem se deixar levar.
Chegava o ponto alto da noite, e Sérgio Godinho começou logo por nos dar Horas Extraordinárias, necessárias à visita guiada pela esburacada encruzilhada do amor, e para o encontro com o galo que é dono dos ovos. José Mário Branco foi lembrado antes do Charlatão, na lembrança de uma música escrita ainda o 25 de Abril não era nascido, «quando a revolução ainda não era uma criança». O Fadinho da Prostituta da Rua de Stº António da Glória foi escrito por António Lobo Antunes para Vitorino, que este cantou com Sérgio Godinho em palco, assim como o Barnabé, que não se sabe porquê, mas que é diferente dos outros lá isso é.
Espalhem a notícia, a Etelvina está entre nós! E o Camané também, que volta ao palco para compensar a ausência do previsto Tito Paris, para nos dar mais um espantoso dueto, por intermédio da Maria, em mais ensaios de irmãos do meio.
O encanto das músicas continua com um brilhozinho nos olhos, convida-se o Sr. Presidente (e os seus assessores) a entrar e pôrem-se à vontade, para podermos à beira-rio viver a beleza de uma Lisboa que amanhece.
Se agora a revolução é uma criança, há muito mais para fazer, e relembrar que só há liberdade quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação, para toda a gente ouvir, já que o Coro das Velhas leva os seus gritos bem alto, e traz o povo que canta e salta para junto ao palco. É em festa total que cantamos o 1º dia do resto das nossas vidas e quatro quadras soltas, por entre dois regressos ao palco e a aclamação total, de um mar de gente que ali se reuniu.
Apenas mais um concerto de Sérgio Godinho, com tudo o que isso tem de bonito e alegre.
Após a saída de muitos dos convivas, que já se fazia tarde, o fim de festa estava reservado à Tora Tora Big Band. Ainda assim, foram muitos os que ficaram e puderam dançar e entrar no espírito desta grande banda (pudera, com 12 músicos em palco) que o é de mais que uma forma. Eles vêm do Brasil e da América, da Alemanha e da Dinamarca, vêm de todo o mundo para nos dar música para dançar: e conseguem-no. Ou pelo menos deixam todos bem dispostos, que o cansaço já não permite muito mais. Liderados por Francesco Valente no baixo, um italiano que também toca nos Terrakota (assim como o baterista David Rodrigues e o percussionista Junior), a banda apoia-se fortemente na secção de metais, composta por 7 elementos, numa constante dança no palco. De destacar também o pianista, que nalgumas músicas assumia o centro do palco para nos brindar com uma actuação no acordeão.
O som Tora Tora mandou-nos para casa com um sorriso nos lábios e a vontade de prosseguir com a festa, umas horas depois.
Texto: Dracul; Maria João (Camané) / Fotos: Dracul
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